sábado, 25 de maio de 2013

Quepos, Costa Rica, 25-05-2013

Este blog vai sofrer uma pequena solução, suspensão, interrupção, como preferirem chamar-lhe. Não acaba porque os bordos não acabam. Continua no Don Vivo, onde de resto começou há, creio, dois anos, na Martinique ou lá perto.

Um dia voltará, grande, crescido, adulto. Obrigado a quem o leu, seguiu e apreciou.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Quepos, Costa Rica, 17-05-2013

Quase é uma palavra que engana muito, todos o sabemos; e saber que o ARCTIC FRONT está quase pronto para amanhã não me deixa completamente à vontade. Mas pouco posso fazer: o que não tem remédio remediado está. A senhora que devia vir fazer as limpezas adoeceu subitamente, ao que parece, coitada; e só consegui uma substituta para amanhã de manhã. Claro que eu podia ter limpo, arrumado, lavado a loiça, aspirado, feito as camas em vez de tratar da contabilidade e - seja Deus louvado - falado com uma jovem, simpática, bonita e inteligente senhora enquanto bebia um rum Centenario 7 anos. Pois.

Mas estou cansado, fundamental, profunda, existencial, intrínseca, estruturalmente cansado. Prefiro correr o risco de ter que fazer eu isto tudo amanhã de manhã a ter a certeza de o fazer hoje. Deus existe e é generoso - ou pelo menos tem sido, bastante, ultimamente - e a senhora estará no barco às sete em ponto.

Espero que sim. Aposto que sim.

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O curto prazo está resolvido, quase; a etapa seguinte - pintar casco e convés, refazer o interior, fazer melhoramentos no sistema eléctrico e nos encanamentos de água doce, mudar o bocim, e mais meia dúzia de coisas pequenotas - está em marcha. Em breve terei dez dias de férias. Não mudei de vida, mudei de planeta.

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Estás tão longe, Lisboa; e faltas-me tanto. Tu e o que e quem lá tens dentro.

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Começo vagamente a perceber porque é a Costa Rica o país mais feliz do mundo, e estou contente por contribuir positivamente para essa estatística.

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A minha experiência profissional é como um leque sevilhano pousado aberto em cima de uma mesa: fiz muitas coisas cheias de cor, mas pouco tempo (com a óbvia excepção da náutica de recreio). Não posso falar muito das outras profissões; mas posso sem dúvida dizer que não deve haver muitas que sejam tão variadas, tão boas, tão exigentes e - simultaneamente - generosas como a minha. Conheço pessoas que gostam tanto do que fazem como eu - mas não consigo perceber como ou porquê.

Enfim, exagero. Muito: a verdade é que não preciso de comparações para saber que faço a melhor profissão do mundo; e que as outras não são profissões, são trabalhos, empregos, ocupações, biscates, torturas, castigos e punições.

Deveria talvez acrescentar, em abono da verdade, que me é agradável ver pessoas gostar tanto do que fazem como eu gosto do que faço; mas não consigo impedir-me de pensar. Isto é, de não ser relativista.

A "sou tolerante, mas não sou relativista" deveria talvez juntar-se " compreendo tudo, mas não sou relativista".

Claro que há aqui um bemol: faço o que faço por absoluta incapacidade de fazer outra coisa...

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Hoje tive oportunidade de medir a inacreditável quantidade de sorte que me foi dada ao encontrar aquela casa. Os pormenores seriam aborrecidos (ainda mais aborrecidos).

Um gajo sabe que alguma coisa se passa na sua vida quando no vocabulário quotidiano harmonia deixa de ser a palavra recorrente e é substituida por gratidão.




quinta-feira, 16 de maio de 2013

Quepos, Costa Rica, 16-05-2013

Trabalho, trabalho, trabalho. Vivo, respiro, como e bebo ARCTIC FRONT. Sábado chega o primeiro grupo. Não há dúvida: a esquizofrenia é um dom. Penso no que tenho de fazer até ir ao aeroporto buscá-lo, que é muito; e no que terei quando se forem embora. Felizmente são só três pessoas; se as coisas continuarem a correr como até agora têm corrido - quase bem de mais para ser verdade, no limite do irreal - não haverá problemas de maior. Bato na madeira.

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Não sei como dizer. A infelicidade cansa muito, é maçadora; a felicidade também, de certa forma: uma cansa-nos a nós, a outra aos outros. Talvez a melhor mistura seja a que agora vivo: um céu parcialmente nublado torna as cores mais vivas, melhora a luz, torna mais vivos os pormenores.

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Quepos é uma cidade pequena: aproximadamente quinze mil habitantes. Vive da proximidade com o parque nacional Manuel António. Ontem o proprietário da casa onde em breve (Allah u Aqbar) viverei mostrou-nos o trajecto até à entrada do parque. Hostels, restaurantes, restaurantes, hotéis, barracas de artesanato, hostels. Estranhamente não achei feio; ou porque acabei de chegar, ou porque de facto a mistura não choca, ou - sobretudo - porque significa que teremos mercado.

Não é chocante. Lembrei-me de Nosi Bê, em Madagáscar, infinitamente mais pobre mas igualmente harmonioso, bonito. Talvez o verde tenha esta inesperada (para mim) capacidade de integrar, absorver, digerir o frenesi e o tornar aceitável.

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Quando o ARCTIC FRONT estiver no estaleiro vou fazer uma viagem por terra pela América Central. E quando estiver assente aqui vou começar a fazer surf.  A dicotomia cronológica não se manifesta apenas no trabalho; melhor: há muitas dicotomias.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Quepos, Costa Rica, 15-05-2013

Chegámos a Quepos ontem. Parece uma vida. Uma vida que começa com uma vida não pode ser má. E uma vida que começa com a casa que encontrei hoje ainda menos.

Está num terreno de quinze mil metros quadrados, a três quilómetros e meios de Quepos, no meio dos montes e a caminho do Parque Nacional Manuel António, a grande atracção da Costa Rica. É grande, desnivelada, tem dois quartos, espaço para os meus livros e discos, aberta (no sentido de não ter paredes) e eu ainda não acredito que é ali que vou viver.

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Quepos é uma cor: verde. E uma forma: labaredas. Grandes chamas de verde, um incêndio verde, verde em todo o lado, até nas ruas, verde no ar, verde, verde, verde como se o mundo fosse uma violenta conflagração de clorofila.

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A viagem foi uma das melhores da minha vida. Nunca vi tanta fauna: golfinhos e tartarugas todos os dias, várias vezes ao dia; e raias, mantas, focas, leões marinhos ( na Isla de Guadeloupe, um dos sítios mágicos da minha vida).

Muito mais do que a fauna: tive a sorte de navegar com dois dos melhores tripulantes que jamais conheci. E. e R. foram, são, a prova de que se nasce marinheiro, apesar de muitas vezes não o sabermos.

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Os dias (os dias... dois, até agora) são passados a preparar o ARCTIC FRONT para os primeiros clientes, no sábado; a procurar fornecedores para tudo aquilo de que ainda precisa, que é muito. A encontrar uma casa e a pensar que a felicidade ora parece um gigantesco incêndio, ora parece uma vaga que submerge tudo à passagem. Quase tudo.

sábado, 11 de maio de 2013

Marina Puesta del Sol, Estero de Aserradores, Nicarágua, 11-05-2013

Dia de largada. As autoridades já saíram - desta vez foi um bocadinho mais complicado porque um dos passaportes estava na lavandaria, os senhores não têm troco nem de dólares nem de córdobas, uma das notas estava rasgada (um rasguinho minúsculo num canto, mal se via), outra tinha qualquer coisa escrita, foi preciso fazer as fotocópias porque Dorian, o Harbor Master está de folga e creio que foi tudo -; o electricista está a instalar um inversor, estou farto de deitar comida fora por não ter frigorífico; a maré é às duas tarde.

Até lá esperamos na palapa da Marina, o nosso escritório cum sala de estar cum sala de jantar aqui em Puesta del Sol que o tempo passe. Sinar, o empregado, diz-me que tem pena de nos irmos embora. Compreendo-o, fomos praticamente os únicos clientes que teve desde que chegámos.

Quepos está a dois dias e meio de distância (gosto de medir distâncias em tempo). Ontem assinei um contrato de longo prazo. Há muitos anos que não sabia o que isso era.

Chinandega, Nicarágua, 10-05-2013

Chinandega, a cidade da qual a marina Puesta del Sol está mais perto tem aproximadamente centro e trinta mil habitantes. A economia da cidade e da região de que é capital é predominantemente agrícola. Marvin, o condutor do táxi que nos leva para a cidade diz-me, com uma ponta de orgulho mal disfarçada (ou estarei a imaginar, esse orgulho? É o mais provável) que Chinandega é a cidade do país que paga mais impostos, a seguir a Manágua.

O que me marca quando chego é a semelhança com uma cidade equivalente no Brasil: a mesma sujidade, o mesmo aspecto desleixado, o mesmo barulho nas lojas e em todo o lado.

Pouco me interessam as semelhanças, na verdade. Interessam-me mais as particularidades, as diferenças; e de qualquer forma está demasiado calor para passear; felizmente, porque não há rigorosamente nada para ver. Com algum esforço encontramos um sítio para beber café; péssimo, deslavado, fraco, sem ponta por onde se lhe pegue.

Acabamos no bar Paparazzi a beber rum. É a minha maneira favorita de conhecer uma cidade: sentar-me num bar e beber meia dúzia de copos da bebida local (passa-se o mesmo com as senhoras: melhor começar a conhecê-las pelos vícios do que pelas virtudes. Aqueles não enganam ninguém; não se podem esconder muito tempo, nem escondem. Estas são fáceis de fingir, vestem-se e mudam-se como uma blusa).

A tarde foi agradável. E. é decididamente uma boa companhia, e A. igualmente. Voltámos para o supermercado, ponto de encontro com Marvin, numa caponera, um triciclo a pedais. Pensei que havia lugar para duas pessoas apenas, mas o senhor disse-me que não, a lotação é de três passageiros. Não estou habituado a andar de bicicleta como passageiro, e estava com uma certa má consciência por causa do peso. Sou magrinho e pequenino, mas apesar disso mal cabíamos no assento.


sexta-feira, 10 de maio de 2013

Marina Puesta del Sol, Estero de Aserradores, Nicarágua, 10-05-2013

Chegámos à Marina Puesta del Sol há dois dias. Esta foi a primeira noite que todos dormimos bem, profundamente. Há uma diferença entre chegar a terra e "aterrar", (entre aspas porque aterrar é o termo técnico que designa a aproximação a uma costa depois de uma travessia oceânica). O mar entra por nós dentro e sai aos poucos: um copo aqui, um almoço ali, ausência de quartos, dias sem horas, horas sem mudanças, sem rumo.

Ao fim de dois dias em terra aterro; ao fim de quatro o mar falta-me de novo. Vou ter de aprender a viver aterrado.

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R. desembarcou hoje. Obrigações profissionais, a viagem vai muito mais longa do que o previsto. É uma excelente pessoa e um excelente marinheiro; isto é o melhor que posso dizer de alguém.

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Hoje vou à cidade; enfim, vamos todos, eu pela primeira vez. Chateia-me passar por estes países todos e não os ver - sobretudo porque tem sido uma agradável sucessão de surpresas. Pessoas adoráveis, paisagens fascinantes, e sobretudo esta noção de estar entre dois mundos, numa espécie de corda bamba geográfica.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Marina Puesta del Sol, Estero de Aserradores, Nicarágua, 09-05-2013

Como os amores verdadeiros as verdadeiras viagens começam, mas nunca acabam (e têm vários começos, mas isso é outra história). Por isso nunca poderei dizer "esta foi a minha última viagem". Talvez, quando morrer, "estas são as minhas últimas viagens". Ainda é cedo para pensar nisso; já morri muitas vezes, e ressuscitei outras tantas. Mas só viajei uma vez. Começou teria eu quatro ou cinco anos e fui de avião de Lisboa para o Porto. Ainda tenho vagas reminiscências desse aventura, para mim. Fomos, a minha mãe e eu ter com o meu pai a Leixões. Foi a minha primeira viagem, pelo menos que me lembre; ainda não acabou.

Hoje passámos, M. e eu o dia a trabalhar na papelada na importação do ARCTIC FRONT para a Costa Rica. Ainda não mencionei a demência que é a burocracia na América Central. Não me apetece. Faz-me lembrar o Portugal de outros tempos - com uma diferença simpática: aqui os senhores (e senhoras) vêm a bordo. Na verdade a reflexão ocorreu-me por causa do escritório e  do trabalho: prefiro de longe trabalhar sentado a uma mesa a reparar (foi a tarefa de ontem) encanamentos de água quente. Quanto ao escritório é o mesmo de Puerto Vallarta, com algumas diferenças, poucas: a) as Margueritas aqui são intragáveis; b) não é à beira de uma piscina, mas de uma ria; c) estamos na Nicarágua e não no México.

Tudo o mais é semelhante, a começar no nome do restaurante (Palapa, em ambos os casos. Quer dizer palhota, ou coisa próxima); e a acabar na beleza do local e no prazer que é aqui trabalhar.

Fizemos quase tudo o que era preciso, incluindo digitalizar todas as páginas de todos os passaportes da tripulação - esta exigência não é habitual, suponho que seja devida à importação do barco. Toda a papelada deve ser entregue em quatro ou cinco cópias, mas isso vou pedir à secretária do advogado que M. contratou na Costa Rica para fazer.

Falta o último passo, pequenito, para que a viagem se transforme noutra viagem. Talvez seja esta a diferença entre os amores e as viagens: estas transformam-se noutras; aqueles não. Acumulam-se, mas não mudam nem morrem.

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Adenda: acabo de descobrir a bebida nacional da Nicarágua, uma fascinante mistura de rum, xarope de goiaba, sumos de laranja e limão. Chama-se Macuá, está ao nível da melhor Marguerita, levou o meu nível de açúcar para o céu (ou pelo menos para lá perto). O açúcar não foi sozinho, é preciso acrescentar.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Marina Puesta del Sol, Estero de Aserradores, Nicarágua, 08-05-2013

Por vezes penso que estou em Quepos e começo um texto com "Estou em Quepos. Esta foi a minha última viagem". Não estou, não será.

Estou na Nicarágua, num buraco para ricos para o qual viria de bom grado com um bom livro e uma má companhia; ou boa que fosse, a companhia. Desde que o livro fosse bom... O rum é. Chama-se Flor de Caña, não vale um  Mount Gay, nenhum vale excepto alguns vinte ou trinta nos quais não quero sequer pensar, porque este é bom, levezinho, agradável, vai bem com o espaço e com a viagem.

Em Portugal chamaríamos a isto uma ria. Um golfo profundo, parece um rio, com múltiplos braços, como se estivéssemos num delta. Não foram a música e o rum e sentir-me-ia em África, esta imobilidade - nada se mexe, nem as pangas que começam a sair para a pesca, a senhora do bar que serve as duas ou três mesas ocupadas como se o bar estivesse a abarrotar, a água que agora vaza, lentamente. Como se tudo estivesse congelado no calor, prisioneiro do calor, do tempo, do espaço, da ideia que nada disto é verdade, é um filme do qual sou o espectador meio cego, meio surdo, meio.

A luz é branca, leitosa, quente, como se alguém tivesse embaciado o vidro de uma janela e eu estivesse do lado de fora a olhar para o mangal, para estes pontões vazios, para o mangal, para o dia que acaba como acabaram estes dias todos desde São Francisco: um dia estarei em Quepos e direi "esta foi a minha última viagem". Não será.

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O quadro é semelhante ao de El Salvador, com a diferença do espaço: lá senti-me num aquário, não havia cem metros livres qualquer que fosse a direcção para a qual se olhasse.

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Preciso de solidão como a luz de espaço.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Yelapas, Jalisco, México, 25-04-2013

Largámos de Puerto Vallarta um bom bocado mais tarde do que o previsto, e outro tão bom, ou maior ainda, antes do que poderia ter sido.

Estávamos preparados para ir até Acapulco, mas como de costume os deuses (desta vez encarnados em professores de universidade canadenses) decidiram de outra forma, e - sejam os senhores professores louvados - estamos num sítio soberbo, quinze milhas a sudoeste de Puerto Vallarta. Chama-se Yelapas, aconselho uma visita.

O ARCTIC FRONT está numa bóia a cem metros da praia. Espero que a amarra esteja em condições, que não entre vento esta noite, que as Margueritas sejam calmas.

Não é hoje que vou aprender a não ser o que sou; nem amanhã, ou depois. Paciência. Infelizmente convivo bem comigo mesmo. É uma atitude que não fez de mim um homem rico, mas fez de mim o que sou: fundamentalmente, um homem livre. Aos cinquenta e cinco anos - não é verdade, mas é poético, profundo, e dá recuo -  aprendo que se pode ser livre e infeliz, ou feliz e preso, ou preso e feliz, etc. Todas as combinações são possíveis.

Tenho a minha, e não vai mudar. Allah u Aqbar.

De maneira como um ceviche medíocre, bebo Margueritas soberbas, e afogo espectros patéticos em Yelapas, no bar do Buli-Buli enquanto o meu barco rola as ancas a cem metros de uma praia vazia. Allah u Aqbar!


quarta-feira, 24 de abril de 2013

Puerto Vallarta, Jalisco, México





Puerto Vallarta, Jalisco, México





Puerto Vallarta, Jalisco, México, 24-04-2013

São seis da tarde, a luz no jardim à frente do café-livraria (de livros usados) no qual bebo um solitário e oh quão agradável copo de vinho tinto deita-se. O vento vai com ela. Não andam sempre juntos: ele só se levanta pelo meio-dia, ela é mais diligente. A cidade não é bonita nem feia, o que para os padrões destas latitudes é bastante bom.

Passei a manhã toda e parte da tarde a tratar da papelada. Portugal já foi assim -talvez pior, porque aqui as autoridades (enfim, parte delas, a Imigração e a Autoridade Sanitária, ou coisa que o valha) - vêm a bordo.

Os sanitários começaram logo por ficar-me com os frescos todos que tinha a bordo, coisa que me arrelia porque detesto deitar comida fora e estes não me pareceu que fossem de ficar com ela. Era pouca, felizmente.

Amanhã vamos cedo ao mercado e largamos uma vez os mantimentos arrumados. Não sei qual vai ser a próxima escala. Talvez Acapulco, talvez qualquer coisa mais a Sul. Não me apetece nada ir para um porto que prevejo igual àquele em que estou, em pior.

Puerto Vallarta, dizia recentemente um jornal local, perdeu a segunda posição nos destinos turísticos mexicanos. Agora é o terceiro. Não sei qual o segundo, mas imagino que seja Acapulco.


terça-feira, 23 de abril de 2013

Puerto Vallarta, Jalisco, México, 23-04-2013

Doze dias de mar, dos quais os três primeiros com muito vento; uma escala muito breve numa ilha que parece um bocadinho de lua; uma tripulação fantástica; uma escala de quatro dias no México, um país que há muito queria conhecer, e agora ainda quero mais; um resto de viagem que me vai levar a mais sítios que não conheço; uma interminável sequência de coisas boas e muito boas.

São precisas muitas vidas, assim. Com ou sem vírgula.


segunda-feira, 22 de abril de 2013

Puerto Vallarta, Jalisco, México, 22-04-2013

Foi uma tripulação feliz, unida, motivada que atracou o ARCTIC FRONT na Marina Vallarta e, depois da limpeza geral e aprofundada da embarcação, festejou no bar da piscina do Hotel Flamingo a chegada a Puerto Vallarta, onde vai permanecer três ou quatro dias, enquanto esperava mutuamente que o duche único fosse sendo utilizado à vez. Celebração essa digna e respeitosamente efectuada com várias rodadas de Margueritas gigantes (faltava sempre um para o cheers).

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A viagem correu como é habitual: muito vento e pouco vento, algumas avarias e algumas reparações, muito cansaço e muito descanso, boa comida, um atum apenas. Nunca serei um grande pescador, nada a fazer.

As pessoas fazem uma ideia errada do que é viajar numa embarcação de vela: o que a torna apaixonante, inescapável, mágica é a simplicidade. Uma bomba avaria e nós reparamos, o paiol de ré mete água em grande e nós colmatamos (esta foi mesmo à saída, debaixo da Golden Gate Bridge), o vento muda e mudamos com ele, a adriça da grande parte-se e navegamos dois dias só com a genoa (não era preciso mais pano, de qualquer forma) e aportamos na ilha Guadaloupe, o vento cai e esperamos um bom bocado antes de arrancar com o motor, um navio em rota de colisão e desviamos.

Coisas simples, puras como beber quando se tem sede ou comer quando se tem fome.

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A primeira terra mexicana que vi foi a Isla de Guadeloupe. Um bocadinho irónico, porque tem o nome da única ilha das Caraíbas de que não gosto muito. 

A Isla de Guadeloupe parece um pedaço de lua que caíu ali por acaso, e os selenitas não se deram ao trabalho de vir buscar. 

Somos recebidos por três marinheiros da marinha mexicana, três encarnações da simpatia, que nos propõem ajuda, nos dizem que se precisarmos de um mecânico, que e que e mais. Têm pouco que fazer, por um lado; e - vejo agora - são mexicanos, um povo que tem o sorriso fácil e a simpatia à flor de pele, se um galicismo me é permitido.

Estamos fundeados numa baiazinha minúscula, e a meia dúzia de metros centenas de focas e leões marinhos fazem um chinfrim infernal; um golfinho enorme vem inspeccionar-nos - talvez estejamos no seu território, não sei. 

A reparação da adriça foi uma rapidinha como eu gosto. Se estive dez minutos no galope do mastro foi muito.

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 Não gosto particularmente de fazer leme.  (Antigamente dizia-se governar, mas agora caíu em desuso, pelo menos em Portugal. No Brasil ainda se diz. É pena. Permitia analogias interessantes entre o homem do leme e o governo, por exemplo: ambos são tanto melhores quanto menos governam.)

Mas há momentos de graça quando se governa uma embarcação: aquele em que a temos na mão, por exemplo, como um cavaleiro tem um cavalo em mão. "É como se ela te obedecesse ao olhar", diz-me R. ao ver o leme quase imóvel (ela é um preciosismo da minha parte, claro, um erro. Em português referimo-nos aos barcos no masculino). Erro propositado: ele fala e penso que uma embarcação não obedece, tal como as mulheres que amamos. Como amar uma mulher que nos obedece?

Uma embarção nao obedece. Quem pensa que vai para o mar, como para o amor, mandar deve desenganar-se. Uma embarcação não obedece, tal como uma mulher não deve obedecer. O termo a utilizar é harmonia. Harmonia. Tanto no mar como no amor.

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Hoje - 16 de Abril - pescamos o nosso primeiro peixe. Um atum. São os mais fáceis de apanhar, de tão vorazes. Vou fazê-lo cozido hoje, e de cebolada amanhâ. A tripulação estranha. Mas depois, regra geral, gosta. Devíamos exportar este método de cozinhar peixe, tanto como os pastéis de nata. Sai-se de Portugal e ninguém ouviu jamais falar em peixe cozido.

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Há qualquer coisa de profundamente securizante no mar: os espectros assombram-nos os quartos e roubam-nos o descanso e apesar disso sentimo-nos bem, quase felizes. 

terça-feira, 9 de abril de 2013

São Francisco, Califórnia, EUA



Uma tripulante feliz

São Francisco, Califórnia, EUA

 A fotografia mais clássica the Haight - Ashbury

Mais uma da Rosa Fedorenta

  Auto-retrato sombrio em Ashbury


São Francisco, Califórnia


Cafe Zoetrope, do pai da Sofia (a outra).

 The Stinking Rose

 Auto-retrato parcial @ The Stinking Rose

Emeryville, Califórnia, EUA, 09-04-2013

No fundo seria quase preciso esquecer a necessidade de ir para o mar e agradecer ao gerador a maravilhosa tarde de S. Francisco que nos proporcionou, à E., ao R. e a mim.

Começámos na City Lights, livraria onde não devia ter sequer entrado, e depois foi uma festa, uma festa boa, saudável (enfim, isto é discutível. Ontem estava num dia de cerveja -  ale, para ser mais preciso - . Que a diaba vá para o diabo e fique por lá).

O ponto alto, para mim, foi o Stinking Rose, um bar e restaurante que me fez pensar no Café Tati em Lisboa: qualquer deles podia ser noutra cidade, mas ambos contribuem para tornar melhor a cidade onde estão. A ale é óptima, a decoração original e o ingrediente principal também: é um restaurante dedicado ao alho.

Jantámos no Schroeder's, uma respeitável casa que serve "comida fina da Bavária" (a tradução é minha, mas não deve estar muito longe da verdade) desde 1893. Comi a melhor choucroute em muito anos, e uma boa variedade de salsichas alemãs.

Vai ser preciso fazer uma lista dos restaurantes, bares, cafés e tascas onde comemos nesta última semana. Quem disser que os americanos não sabem comer está muito, redondamente enganado.

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A tempestade afinal não era tempestade, era só vento forte. 40 nós, mas sol. Foi o primeiro dia sem uma nuvem desde que aqui cheguei. E frio, muito frio, o vento é norte. Mais uma coisa a agradecer ao gerador.

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De modo agora as previsões são boas, 20 - 25 nós pela alheta, sol e, dentro de quatro dias ou cinco, calor. O bote está pronto. Estou à espera de uma alimentação 12V para os computadores e vou sem gerador. Prefiro assim, para dizer a verdade.

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Ninguém a bordo se atreve a fazer previsões sobre a largada, ou a festejar "a última noite". E eu não voltarei a fazer um post a dizer ATD, a menos que por milagre tenha net a bordo quando tiver largado.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Emeryville, Califórnia, EUA, 08-04-2013

Hoje vai ser um dia de chill out, como eles dizem. Eu chamo esperar, coisa que mais detesto fazer (ou não-fazer). Tínhamos encomendado umas alimentações 12 V para os computadores (temos dois. Como eu, M. gosta de redundâncias; ao contrário de mim, pode); overnight delivery, etc. As coisas deviam ter chegado no sábado; não chegaram e eu resolvi largar.

Mas sem gerador e com computadores alimentados a 110 achei melhor ficar e esperar a encomenda, claro. Hoje telefonámos para a empresa que os vende. Esqueceram-se de pôr as coisas na companhia de correio. Esqueceram-se. Acontece. De qualquer forma não teríamos podido sair hoje; a tripulação vai chill out, como eles dizem, e eu vou tratar de encontrar um estaleiro que nos possa receber em Quepos.

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Er. tem um problema com a mulher, Ela não aceita facilmente a separação, passam horas e horas ao telefone todos os dias. Ontem esteve quase para desembarcar, mas depois lá conseguiu convencê-la. Empatizo com ele. Já tive uma namorada assim - com uma diferença importante, porém: eu partia para trabalhar, não para férias.

Quando brincamos com ele, Er. diz que está a "planear manter o casamento". É um objectivo admirável. Mas eu não sei que pensar de um casamento que precisa de seis horas quotidianas de telefone por causa de uma separação de um mês (ou mês e meio, agora).

Não sei, realmente. Por muita vontade que tenha - e tenho - de "casar (se possível com a vizinha do lado) e ter filhos" (entre aspas por várias razões, mas não a falta de vontade), continuo a não compreender uma relação simbiótica.

A solidão pode ser um porto temporário, como recentemente aprendi; mas é um porto necessário. Uma pessoa que não sabe estar sozinha não sabe estar acompanhada.